sexta-feira, 10 de junho de 2016

Marco António II

Ajeitada a camisa, o cabelo, o pelo que fugia rebelde por entre o botão da camisa, ele saiu, tilintando chave, assobiando como filme  a preto e branco, ligou o carro, calibrou o ar condicionado e saiu. 
O primeiro cliente era a clássica mãe desesperada: dois filhos, vinte mochilas, o atraso que seria imperdoável hoje, hoje viria seguramente uma notinha para casa...A viagem começou agitada, a criançada falando alto a mãe segurando o choro com as palavras, as mochilas indo de cá para lá. Ele colocou Mozart. A criançada acalmava sempre com o Mozart. Em menos de cinco minutos o silencio se instalara, a mãe abrira finalmente os olhos, tocou-lhe o ombro: obrigada.
O segundo cliente era bem diferente, farialimastyle, executivo, alto, duro. Reclamou que a interpretação do pianista era brega, recomendou outra e saiu bem na frente de uma conhecida casa de massagens.
O terceiro era com certeza estudante, as olheiras, a barba por fazer que dizia baixinho não não é por moda, a mochila rasgada carregada como a cruz. Pediu para atravessar a cidade, chegava tarde ao exame. Lizst quebrou-o. Olhando pela janela, sendo olhado pelo retrovisor. Quando chegou era um farrapo, sem força para recolher a mochila, o saber, o olhar.
Ele ofereceu a corrida. A supresa deu-lhe uma força qualquer...seria um acredito em si velado?
Ele dirigiu de regresso, odiava campus universitários.
O moço chamou-o pelo retrovisor esbracejando.
Marcha a ré.
Sabe você não devia ser taxista.
Ficou embasbacado.
Nunca tinha pensado que havia opção.
Era meio dia mas regressou a casa.
Desajeitou a camisa, ignorou a madeixa rebelde, o pelo preso no botão e sentou-se na poltrona coçada em silêncio.

Nenhum comentário:

Postar um comentário