sexta-feira, 20 de maio de 2016

Filomena e a sua ideia - Parte IV

Ele foi falando e eu fui ouvindo. Distraidamente fui pelando a cola de sapatos que ficou grudada no meu dedo, fui tocando com esse dedo, recoberto de cola, um pedacinho de miolo de pão.
Enquanto ele falava, e eu ouvia o que ele dizia, fui amassando devagarinho o miolinho, até ele em sua textura de borracha ser uma cobra, um caracol, um boneco de neve...
Filózinha, você está bem?
Era urgente disfarçar.
Comecei a contar da cola que saíra rápida do tubo, que acabara sujando a mesa onde colava a sola do sapato de Amandinho. Continuei falando, rápida, sobre o pão que estava cada vez mais caro, sobre como todo o mundo reclamava da Dilma mas agora vamos todo ver como fica tudo igual, como o moço da entrega da fruta contou que tinha dezasseis anos e foi arrumar filho, já viu se isso acontece com nossos meninos? E segui desbobinando um monte de lugares comuns.
Quando senti que ele já estava bem distraído com a minha aparente volta à realidade nossa de todos os dias, voltei a fazer perguntas.
Mas amor, acabaste por não me falar se o moço que só vê de um olho tem nome? Ele conduz?
É amor ele conduz sim, o primo dele é que fez o exame médico, aldrabou um pouquinho o resultado. Até mesmo lá no trabalho, ninguém sabe de certeza que ele não vê do olho direito.Todos fomos percebendo aos poucos...teve um dia que a Rosely pediu para ele grampar umas folhas, ela atirou o negócio e ele não teve nenhuma reação, ficou sangrando um monte e com o rosto roxo por uma semana...
E aí como ele justificou isso?
Falou que o café da lanchonete estava fraco de mais...Outra vez o António dos negócios imobiliários, ofereceu-lhe uma bala, enquanto ele olhava a porta, foi oferecendo oferendo oferecendo, cada vez mais perto, até que pisou o Aylton...
Sério?
Você não lembra? Eu te contei esse dia...
Ai amor, é muita coisa na cabeça...e então, como ele justificou isso?
Falou que estava muito atento à porta...
De que olho mesmo é que ele não vê?
Do direito...então ele fica encostado à porta, só olhando para fora, os carros que passam, as motos que zumbem, os clientes que vão chegando para o caixa eletrónico e os que entram na agencia...
Então e os que estão dentro do banco?
Acho que esses ele não vê...que pergunta estranha Filózinha...


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