sábado, 28 de maio de 2016

não tentar em casa, outra versão

Certas loucuras, estão repletas de um sentido outro.
Lucidez não compartilhada, inacessível. Espécie de misticismo da racionalidade.
Sabe tão bem, por momentos, ver o mundo como ele é, sem fantasias, historinhas, versinhos, ideologias. O suor de quem construíu estes caminhos versus o perfume da menininha no início do mês. O saco do futebol dos homens que se negam ao tempo que passa, resistência que me agrada, simpatizo. Não serve de nada.
Ver a realidade, com sabor de sangue na gengiva, demanda ação. O animal que vive em nós, morre de fome no pensamento, ainda assim, planeia.
Há duas semanas venho seguindo a mulher de casaco amarelo. Onde vive, onde trabalha, copo do strabucks Genoveva, tem nojo do botão de abrir as portas. Não é por isso que a vou matar . Vou tirar-lhe a vida que arruína vidas. Live and let die gritava Paul McCartney a plenos pulmões, não vives deixando viver, alguém tem que dar um jeito nisso. Justiça? Se necessitasse justificar-me…a mulher do casaco foi confrontada por uma outra mulher, amigas. A Genoveva dormia com o marido da outra, lera uma mensagem…chorava. Telenovela de cordel no vagão das oito. É por isso que a mato? Em parte. A justiça que não se conseguiu reclamar apenas chamou a minha atenção. Amarelinha gosta de passar na frente, de velhos, de deficientes, de crianças, de grávidas. Espera depois da limitação, acotovela, sempre procurando a sua vantagem…é por isso? Quem sabe…ela deve morrer. E pensar que serei eu a olhar no seu olho em seu derradeiro parpadear…traz-me paz, um alívio, um gosto de azeite e sal no pão da manhã. Imagino as minhas mãos naquele seu casaquinho, a força que terei que fazer, o seu pé apenas tocando o meu enquanto o imobilizo, ela caindo, deixando-me saborear a sua despedida.
Um assassinato como deve de ser. Penso nisso deleitada, adoro a perfeição. Não a conheço, nada me liga a ela. 
O metro fechando, sem câmaras …Um pequeno gesto para recolocar este universo fragilizado.
A sós, avanço para ela, os meus sapatos ecoam no túnel como um coração que palpita. Chego tão perto que sinto como cheira a limão, os cabelos a pantene, vem aquele gosto na gengiva, tudo faz sentido…previsível Genoveva. Respeito minha condição de vingadora, a lógica animal reconhece o humano…
Desculpe.
Que é?
Sua mãe vive?
Que pergunta é essa?
Seu pai, sua mãe… vive?
Não...
Aí está, o meu coração acelera-se, uma alegria invade-me, tenho sede. Ponho as mãos nos seus ombros, quase  peito, quero sentir o seu coração que lateja…Saboreio nos seus olhos, a perplexidade. Um grito que pede ajuda,enraivecido, ao mesmo tempo pede desculpa. Prendo o seu pé e empurro. A flexão do meu braço, como um pássaro libertando as asas. Oiço sua espinha.
Adeus Genoveva…
Ao longe o apito do trem.

Finalmente a paz e uma música que ecoa…“Ge- ne-ve- pas travailler, Ge- ne- ve- pas déjeuner, Je veux seulement oublier, Et puis je fume…”


Exercício de escrita criativa. Curso com Noemi Jaffe. Casa do saber.

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